“Nenhum homem é uma ilha, completa em si mesma... A morte de qualquer homem me diminui, porque estou envolvido na humanidade; e, portanto, nunca procuro saber por quem os sinos dobram, eles dobram por ti”. Essa célebre frase foi escrita por John Donne, um dos maiores poetas de todos os tempos. Ela me veio à memória há poucos dias com a notícia da morte do escritor português e Nobel da literatura, José Saramago.
Saramago era ateu e comunista confesso. Nunca escondeu seu desprezo na crença em Deus, na Bíblia e na igreja. Escreveu livros e ensaios com críticas ácidas e ultrajantes à fé cristã, como o romance O Evangelho Segundo Jesus Cristo, no qual conta a história (estória) humanizada da vida de Jesus e alude a uma eventual relação com Maria Madalena, com quem, segundo Saramago, teria conhecido o amor da carne e nele se reconhecido homem. Em outro texto, ele escreveu: “Deus não é mais que um nome, nada mais que um nome, o nome que, por medo de morrer, lhe pusemos um dia e que viria a travar-nos o passo para uma humanização real. Em troca prometeram-nos paraísos e ameaçaram-nos com infernos, tão falsos uns como os outros, insultos descarados a uma inteligência e a um sentido comum que tanto trabalho nos deram a criar”. [1]
No livro Caim, lançado em 2009, Saramago voltou a atacar a religião, redimindo o protagonista do assassinato de Abel e apontando Deus como o autor intelectual do crime, ao desprezar, diz ele, o sacrifício que Caim Lhe havia oferecido. Em visita ao Brasil para o lançamento dessa obra, o escritor novamente em tom cínico disparou contra Deus. Conforme notícia do Estadão feita à época:
“José Saramago não considera esse romance seu particular e definitivo ajuste de contas com Deus, porque "as contas com Deus não são definitivas, mas sim com os homens que O inventaram", disse. "Deus, o demônio, o bem, o mal, tudo isso está em nossa cabeça, não no céu ou no inferno, que também inventamos. Não nos damos conta de que, tendo inventado Deus, imediatamente nos tornamos seus escravos", assinalou o autor.” [2]
Como se vê, Saramago era, em outras palavras, a versão aportuguesada de Richard Dawkins e Friedrich Nietzsche: um ateu que não media suas palavras contra a religião e Jesus Cristo. Alguém que escolheu deliberadamente virar as costas para o Criador e como uma criança dirigir-lhe insultos gratuitos ou, no máximo, baratos.
Com isso em mente, volto à frase de John Donne: “Nenhum homem é uma ilha, completa em si mesma... A morte de qualquer homem me diminui, porque estou envolvido na humanidade...”
É uma ironia. Mas, Saramago resolveu viver como uma ilha. Isolado em Lanzarote, no arquipélago espanhol das Canárias. E por isso mesmo, pergunto: Será que a morte de um antiteísta distante, indigesto e raivoso como Saramago poderia me diminuir? Ou será que a sua passagem seria o motivo para reafirmar minhas convicções e mostrar com os dentes à mostra de felicidade que mais um ateu se foi e agora terá que pagar as contas com Aquele a quem tanto criticou (como muitos crentes fizeram nesses dias)?
Confesso que por um lado, insuflado pelo homem natural, gostaria de seguir essa segunda alternativa. Com um sorriso brilhante e com ar de vitorioso estampado em minha face, gostaria sinceramente de reafirmar o destino de Saramago: o inferno. E com isso ameaçar todos os demais que pretendem fazer o mesmo.
Olhando por outro ângulo, numa visão espiritual, tenho que reconhecer que a morte de Saramago me diminui. Tenho essa percepção ao olhar para a Bíblia e ver que a morte de alguém sem Cristo é algo terrível, isso porque aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo, depois disso, o juízo (Hb. 9.27); restando, então, uma certa expectação horrível de juízo e ardor de fogo (Hb. 10.27).
A morte de um ateu, como Saramago, me diminui porque tenho a certeza que por traz de toda aquela "arrogância intelectual"; escondida sob uma fina capa de aparência amarga e feroz existia uma alma que, no fundo no fundo clamava por Cristo. Um ser que ‘não sabia o que dizia’, enganado pelo ego e pelas vozes seculares, e que, infelizmente, morreu sem salvação. Estou, portanto, em luto com a morte de Saramago. Não porque o admirava ou porque existisse nele algo que despertasse minha atenção. Absolutamente não! Estou em luto porque, parafraseando John Donne, a morte de qualquer homem me diminui, afinal devo estar envolvido com a missão de levar todas as pessoas a Cristo, até mesmo os mais intransigentes. Portanto, os sinos também dobram por José Saramago.
Notas:
[1] José Saramago: O Factor Deus. Disponível em http://www.ufrgs.br/corpoarteclinica/obra/factor.prn.pdf. Acesso em 20/06/2010. Acesso em 20/06/2010.
[2] ____________: Saramago redime Caim em seu novo romance. Disponível em http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,saramago-redime-caim-em-seu-novo-romance,425649,0.htm. Acesso em 20/06/2010.
Postado originalmente em CPADNews / Enfoque Cristão
Verdade!
ResponderExcluirSinto também essa tristeza.
"O coração endurecido, muitas vezes repreendido, e, continua a endurecer a cerviz, haverá o dia em que será quebrantado sem que haja cura." Palavras do sábio Salomão.
Que possamos fazer a nossa parte e como o próprio Senhor, que nunca nos alegremos com a morte do ímpio.
Que almejemos que todos se salvem, mesmo os mais frios, intransigentes e repudiáveis dos seres humanos.
Deus derrame de sua graça sobre nós.
Parabéns pelo post sobre José Saramago, e também por sua visão equilibrada, que não somente criticou, nem somente elogiou... Eu da mesma forma, estou de luto por José Saramago, deixando nossas diferênças religiosas de lado posso confessar que jamais li um escritor que teve uma sensibilidade como Saramago para descrever o mundo contemporâneo. Ele não acreditava em Deus, mais tinha uma crença incrível nos homens, e achava que eles é que deviam dar respostas para seus problemas, e não somente esperar que as coisas acontecessem por acaso. Acredito que se os Critãos pensassem como ele, nós teriamos uma melhor religião do que às temos hoje...
ResponderExcluirO Universo intelectual chora com a morte de Saramago.
Vc que é proximo do Criador, poderia aproveitar para explicar porque Ele mesmo criou o Mal, o Diabo, o Inferno, os Demonios, etc. Não precisava Criar tanto !!!
ResponderExcluirO único escritor português a ser laureado com o prêmio Nobel de literatura. Autor que denunciou a cegueira humana, também admitiu a sua própria, ao negar a Deus, o direito de existir. Deus existe!
ResponderExcluirparabéns pelo texto. muito bem escrito.
ResponderExcluiràs vezes me pergunto para que tanta inteligência e desenvoltura para ganhar prêmios cobiçados se no final não usou essa inteligência para garantir algo bom e permanente na pós vida: a salvação.
Rafael Antonio 21 de junho de 2010 19:31
ResponderExcluirRafael escreveu:
"Vc que é proximo do Criador, poderia aproveitar para explicar porque Ele mesmo criou o Mal, o Diabo, o Inferno, os Demonios, etc. Não precisava Criar tanto !!!"
Oras. Explicar dos porquês das criações do Criador, não compete a nós criaturas. No mais, fazemos considerações... Se acompanhas esses blogs aqui descritos, deixe a preguiça de lado e procure as respostas, já que perguntas em um apanhado respostas acerca do mal que está em toda a parte e até mesmo em você e em mim. Se culpa a Deus pela desordem em que se encontra o mundo, olhes primeiro pra você mesmo e veja se está em desordem também, Ele é o culpado?
Um Abraço.
Gentil Pereira
"Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do PAI, e do FILHO, e do ESPÍRITO SANTO; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado." Mat.28-19 e 20b
ResponderExcluirBastante interessante a sua análise e sensibilidade sobre o acontecido. O que nos faz refletir as inúmeras pessoas que todos dias estão morrendo sem conhecer a CRISTO e nos chama a responsabilidade de pregarmos a PALAVRA seja "a tempo ou fora de tempo".
Concordo plenamente, muitas vezes temos tratado pessoas como Saramago como se fossem nossos inimigos, nos esquecendo assim, que tais pessoas tambem tem direito a salvação, que cabe a nós orarmos para que seus olhos sejam abertos e seus corações quebrantados, lembrando que:
ResponderExcluirPois não temos de lutar contra a carne e o sangue, e, sim, contra os principados,
contra as potestades, contra os poderes deste mundo tenebroso, contra as forças
espirituais da maldade nas regiões celestes” (Efésios 6.12).
"será que a sua passagem seria o motivo para reafirmar minhas convicções e mostrar com os dentes à mostra de felicidade que mais um ateu se foi e agora terá que pagar as contas com Aquele a quem tanto criticou (como muitos crentes fizeram nesses dias)?"
ResponderExcluirÉ esse o problema de vocês religiosos. Sempre atacam com os mesmos "argumentos" dizendo que quem não crê no seu deus vai pro inferno. Vocês creem nisso. Mas nós não e qual é o problema? Por isso merecemos ir para o inferno? E quem acredita em deus e comete crimes absurdos? Vai pro céu? Experimente pesquisar a quantidade de presidiários que acreditam em deus. Muito maior dos que não acreditam.
"A morte de um ateu, como Saramago, me diminui porque tenho a certeza que por traz de toda aquela rompancia intelectual; escondida sob uma fina capa de aparência amarga e feroz existia uma alma que, no fundo no fundo clamava por Cristo. Um ser que ‘não sabia o que dizia’, enganado pelo ego e pelas vozes seculares, e que, infelizmente, morreu sem salvação."
Sem salvação? Tenho muita pena crianças que são doutrinadas a uma religião desde que nascem. Eu fui uma delas mas sempre me questionei suficiente para encontrar uma razão para crer em algo do qual não se tem provas, do qual no fundo nunca fez sentido pra mim. E cheguei numa resposta. Não é por isso que atacarei e tentarei enfiar isso goela abaixo dos teítas, de amigos meus, de familiares. Sempre respeitarei opiniões alheias. O que acho lamentável é a falta de respeito e conhecimento que muitos religiosos tem e o fato de associarem um ateu com um criminoso, como uma pessoa que não pratica o bem.
Sou atéia e respeito as pessoas independente de acreditarem em deus, alá, gnomos, papai noel, enfim, seja lá qual for sua crença.
Pq chamar Saramago de amargo e feroz? Por que ele não era ateu? Me desculpe, mas isto não é argumento.
Se deus existe mesmo e ele é tal qual está escrito na "bíblia", então eu estou do lado do tio Lu... e não quero a salvação! Sendo assim, encontro com vocês, religiosos, no andar de baixo ;) ou vocês que julgam tanto os outros acham que vão mesmo para o céu?
ResponderExcluirMari.
ResponderExcluirNão discutimos fé e a não fé.
Mas, mesmo assim, crendo, eu peço a Deus que abençoe você e a sua vida.
Bom 2012.
A religião diz-nos que não temos liberdade, que fomos feitos por um ser superior. Esse ditador divino disse-nos que não saberíamos nada e que não seríamos capazes de distinguir o bem do mal. É uma forma doente de educar as pessoas. Envenena porque te torna num escravo, mas a religião não vai acabar porque tem como principais recursos a estupidez humana, a crendice e a vaidade, disfarçada de humildade. A religião não acaba porque somos egocêntricos e temos medo de morrer. Assim, acreditamos que dizemos umas coisas pela ordem certa e vamos para o céu. Até agora nunca foi provado que aquele ser omnisciente e benigno existe.
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