Vivemos numa sociedade onde somos literalmente empurrados para as dívidas. Há vários fatores que cooperam para que o indivíduo se veja numa condição financeira desfavorável, devendo, e o pior, sem ter como pagar a dívida.
Alguns pensadores têm contribuído para que haja uma reflexão crítica e uma tomada de consciência sobre o sistema capitalista em que vivemos, e para que se entenda a atual sociedade de consumo. Tais conhecimentos e informações podem em muito nos livrar da angústia das dívidas.
Capitalismo Parasitário
O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, em sua obra Capitalismo Parasitário, descreve o lado oculto das facilidades de crédito oferecido pelas financeiras e bancos. Você já se perguntou por que ganha um salário e o cartão de crédito ou cheque especial lhe oferecem um limite bem maior do que você ganha?
O sistema capitalista é um grande criador de problemas quando o assunto é dívidas. Para Bauman:
Sem meias palavras, o capitalismo é um sistema parasitário. Como todos os parasitas, pode prosperar durante certo período, desde que encontre um organismo ainda não explorado que lhe forneça alimento. Mas não pode fazer isso sem prejudicar o hospedeiro, destruindo assim, cedo ou tarde, as condições de sua prosperidade ou mesmo sua sobrevivência.[1]
Lugares e pessoas são alvos deste predador, que tentará extrair toda riqueza possível, para depois ir em busca de outras vítimas. O capitalismo enriquece uns poucos às custas da pobreza e miséria de muitos, da exploração aberta e descarada.
Com o advento dos cartões de crédito um novo tipo de homem foi forjado: o homem devedor. Em seu lançamento, o cartão de crédito contou com o atrativo e tentador slogam “Não adie a realização do seu desejo”. O cartão de crédito deu ao indivíduo a possibilidade de adquirir um produto, mesmo não ganhando o suficiente para pagar à vista. Com isso, algumas práticas sábias do passado foram abolidas: apertar o cinto, privar-se de certas alegrias, gastar com prudência, poupar e ter esperança, com cuidado e paciência, de conseguir juntar o suficiente para transformar os sonhos em realidade.[2]
Com a enganosa benevolência dos bancos e financeiras, através de um cartão de crédito, a ordem dos fatores foi invertida: desfrute agora e pague depois! Com outras palavras: sorria agora e sofra depois. Conforme Bauman:
Esta era a promessa, só que ela incluía uma cláusula difícil de decifrar, mas fácil de adivinhar, depois de um momento de reflexão: dizia que todo “depois”, cedo ou tarde, se transformará num “agora” – os empréstimos terão que ser pagos; e o pagamento dos empréstimos, contraídos para afastar a espera do desejo e atender prontamente as velhas aspirações, tornará ainda mais difícil satisfazer os novos anseios. Não pensar no “depois” significa, como sempre, acumular problemas.[3]
Quando a satisfação imediata dos desejos de consumo, que nem sempre expressam necessidades reais e urgentes, começa a controlar as pessoas, mais cedo ou mais tarde o descontrole financeiro acontecerá.
E quando a dívida não pode ser paga? Ora, nisso reside o “filé” para os bancos e financeiras de cartões de crédito. O sistema de “pague o mínimo” foi criado, e nisso está o maior lucro dos nossos “generosos” credores. Quando você não consegue pagar o total do cartão de crédito, uma bola de neve financeira se cria, e mês a mês vai crescendo, até lhe esmagar. Os bancos vivem dos devedores, por isso não pagar as dívidas nos mantém reféns deles. Sim, o cliente que paga o cartão ou o empréstimo bancário em dia é o pesadelo dos credores:
As pessoas que se recusam a gastar um dinheiro que ainda não ganharam, abstendo-se de pedi-lo emprestado, não tem utilidade alguma para os emprestadores, assim como as pessoas que (levadas pela prudência ou por uma honra hoje fora de moda) se esforçam para pagar seus débitos nos prazos estabelecidos. Para garantir seu lucro, assim como o de seus acionistas, bancos e empresas de cartões de crédito contam mais com o “serviço” continuado das dívidas do que com seu pronto pagamento. Para eles, o “devedor ideal” é aquele que jamais paga integralmente suas dívidas.[4]
Na mentalidade do capitalismo parasitário, as pessoas que ainda se utilizam da caderneta de poupança e que não possuem nenhum cartão de crédito são um grande desafio para o marketing empresarial, que objetiva não a suprir as necessidade do cliente, mas criar necessidades que não existem. Uma vez presas dos parasitas, dificilmente escapará.
A cultura da dívida é criada nos jovens pelo governo, e isso através do sistema de crédito e financiamento universitário. O slogam do FIES Brasil diz: “Quer cursar uma universidade, o FIES Brasil te ajuda!”. No site do FIES Brasil lemos:
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Percebam a sutiliza da linguagem, onde tudo parece fácil e bom “agora”, até que chega a hora de pagar, o “depois”.
Além de casos como esse, uma outra forma de introduzir os jovens na cultura da dívida é presenteá-los com cartões de crédito, quando eles ainda nem renda possuem.
Não apenas os jovens, mas o que falar das supostas facilidades e vantagens do crédito consignado para os funcionários públicos, os aposentados e nossos velhos?
Não importa o que você deseja ou precisa comprar, se um carro, um imóvel, um eletrodoméstico, ou qualquer outra coisa, tudo precisa ser bem pensado e planejado, para que você não se torne refém do sistema capitalista parasitário (se já não se tornou!):
Hoje, ingressar nessa condição é mais fácil do que nunca antes na história da humanidade, assim como escapar dessa condição jamais foi tão difícil. Todos os que podiam se transformar em devedores e milhões de outros que não podiam e não deviam ser introduzidos a pedir empréstimos já forma fisgados e seduzidos para fazer dívidas.[6]
A sociedade do Espetáculo
O filósofo e escrito francês Guy Debord, em sua obra A Sociedade do Espetáculo, contribui significativamente para o entendimento da atmosfera criada, onde consumir o supérfluo e fazer dívidas além das possibilidades se tornou prática comum.
A base da sociedade existente é o espetáculo, ou seja, o aparente, o irreal, o ilusório, uma relação social entre pessoas mediada por imagens.[7] A vida organizada socialmente se fundamenta na simples aparência das coisas.
Na sociedade do espetáculo “o que aparece é bom, o que é bom aparece”. Dessa forma, todos querem aparecer, ser vistos, ser aceitos e aplaudidos.
Onde entra aqui a questão econômica e consumista que gera as dívidas? Para Debord:
A primeira fase da dominação da economia sobre a vida social acarretou, no modo de definir toda realização humana, uma evidente degradação do ser para o ter. A fase atual, em que a vida social está totalmente tomada pelos resultados acumulados da economia, leva um deslizamento generalizado do ter para oparecer, do qual todo o “ter” efeito deve extrair seu prestígio imediato e sua função última. Ao mesmo tempo, toda realidade individual tornou-se social, diretamente dependente da força social, moldada por ela. Só lhe é permitido aparecer naquilo que ela não é.[8]
Ouvimos muito declarações do tipo “você vale quanto tem”, expressando o descaso com a essência e as qualidades morais do indivíduo, em benefício de uma exigência social forjada no valor da aparência e do acúmulo de riquezas e bens. Como o capitalismo parasitário não permite o encurtamento das distâncias econômicas, e o abismo entre ricos e miseráveis só aumenta (apesar das tentativas de mascarar essa realidade), a única saída para a conquista e a manutenção do status social daqueles que não têm, foi parecer ter. É nisso que reside a tese de Debord.
Na sociedade do espetáculo eu não tenho condições de ter uma casa ou apartamento de luxo, mas mesmo assim tenho. Eu não tenho condições de ter um carro zero ou de luxo, mas mesmo assim tenho. Eu não tenho condições de ter os bens que meus vizinhos ou amigos possuem, mas mesmo assim tenho. Na sociedade do espetáculo eu não posso ficar “por baixo”, eu não deve parecer que “não tenho”, pois eu preciso ser visto, aceito e aplaudido. Na sociedade do espetáculo eu preciso aparentar ser o astro que não sou, ter o sucesso que não alcancei.
É nessa sociedade do espetáculo que o capitalismo parasitário encontra guarida, e se apresenta como a solução para aqueles seduzidos pela glória do mundo, para os adoradores do dinheiro, para os consumistas insaciáveis.
Compre e apareça! Eis a máxima do capitalismo parasitário e da sociedade do espetáculo.
As Escrituras estão repletas de conselhos e princípios que devem nortear a vida dos filhos de Deus, para que não se tornem presas desse sistema enganoso, opressor e explorador (Êx 20.17; Pv 1.19; 11.15; Is 55.2).
Mas é grande ganho a piedade com contentamento. Porque nada trouxemos para este mundo e manifesto é que nada podemos levar dele. Tendo, porém, sustento e com que nos cobrirmos, estejamos com isso contentes. Mas os que querem ser ricos caem em tentação, e em laço, e em muitas concupiscências loucas e nocivas, que submergem os homens na perdição e ruína. Porque o amor do dinheiro é a raiz de toda espécie de males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé e se traspassaram a si mesmos com muitas dores. (1 Tm 6.6-10)
Dicas Literárias
- Capitalismo Parasitário, Zygmunt Bauman, Editora Zahar.
- Vida a Crédito, Zygmunt Bauman, Editora Zahar.
- A Sociedade do Espetáculo, Debord, Editora Contraponto.
- Sociedade de Consumo, Lívia Baborsa, Jorge Zahar Editor.
- O Império do Efêmero, Gilles Lipovetsky, Companhia de Bolso.
- A História do Consumo no Brasil, Alexandre Volpi, Editora Campus.
- A Explosão Gospel, Magali do Nascimento Cunha, Instituto Mysterum e Muauad X.
[1] BAUMAN, Zygmund. Capitalismo parasitário. Rio de Janeiro: Zahar, 2010, p. 8-9.
[2] Ibid., p. 12.
[3] Ibid., p. 13.
[4] Ibid., p. 15.
[5] Disponível em http://www.fiesbrasil.com.br, acessado em 22/08/2012.
[6] Ibid., p. 19.
[7] DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
[8] Ibid., p. 18.
Fonte: Blog do Pr. Altair Germano
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